sexta-feira, 20 de julho de 2007

O Homem da Cobra







A Marília dizia não suportar pessoas que falavam demais, que não deixavam as outras pessoas falarem, seja em qualquer situação:

- Não suporto a Flávia. Ela fala demais, não deixa os outros argumentarem. Como dizia meu pai, esse tipo de pessoa é perigoso para se manter uma relação estável e saudável. Me desculpem, mas ela fala mais que o Homem da Cobra.

A turma estava reunida no bar de sempre. Marília não notava que também era daquelas que falava pelos cotovelos. Volta e meia ela fazia alusão ao tal Homem da Cobra. Ela prosseguia:

- O Silveirinha é outro que não me deixa mentir. Aquele fala mais do que deve. Com ele não existe diálogo, mas um constante monólogo. Outro dia estava lembrando a ele nossos tempos da faculdade, foi a pior coisa que eu fiz no momento. Ele se transformou num nostálgico de quinta categoria, rememorando as festas que fizemos, do primeiro ao último ano. Falava e gesticulava, mais que o Homem da Cobra.

Mal a Marília terminara sua crítica, o Roberto estava impaciente. Levantou da sua cadeira convocando todos para um brinde:

- Ao Homem da Cobra.

Marília fez cara de que não gostou da piada:

- Você é sempre muito engraçado Roberto.
- Me diz então. Quem é esse tal Homem da Cobra?

Ela levantou, pegou sua bolsa e saiu com cara de poucos amigos. Não gostava que duvidassem do que dizia. Durante duas semanas ninguém daquele grupo, que se reunia naquele bar todas as tardes desde os tempos da faculdade, teve notícias da Marília. Até que um dia ela chegou acompanhada de um amigo. Ele era alto e magrela, um pouco calvo e agitado. Mesmo quando estava calado, ficava gesticulando e fazendo micagens. Mas era difícil o fazer calar:

- Olá gente boa. Vocês não me conhecem mas logo vou me apresentar. A Marília aqui disse que vocês riram dela por causa da existência de uma tal pessoa. Mas isso é compreensível, logo que ninguém consegue manter contato com todas as pessoas do mundo, não é mesmo? E mesmo que conseguisse um contato tão amplo, haja memória para se lembrar de cada rosto conhecido. Porque eu aqui...

Nisso o Roberto se levantou bruscamente, derrubando a cadeira junto com alguns copos pousados sobre a mesa:

- Cala essa boca, o meu ! Marília, pode me explicar quem é esse sujeitinho chato ?
- Este é um amigo de infância, o Homem da Cobra.
- Você só pode estar de sacanagem comigo, não é possível que...

O magrela interrompeu Roberto e, sem falar absolutamente uma palavra, lhe mostrou um documento. Era sua carteira de identidade. Nela, Roberto pode ler o nome e o nome dos pais do desconhecido: Homem da Cobra de Silveira e Castro era o nome de seu pai. O dele era Homem da Cobra de Silveira e Castro Filho. Sua mãe tinha a graça de Mulher Barbada de Silveira e Castro.
Roberto olhou aquilo e, pasmado, pediu desculpas ao magrela careca e sentou-se quieto depois de ter colocado sua cadeira, antes derrubada, de volta no local. Não se mexia, estava imóvel, tranqüilo, boquiaberto, aparentemente calmo. Porém, se inquietavam os seus órgãos. Sentiu um mal estar, mas demonstrava calma e serenidade.
Esse Homem da Cobra não poderia existir. Quanto as pessoas usavam esta expressão, se referindo a qualquer pessoa que fala demais, Roberto era o primeiro a tirar sarro. Agora teria de se desculpar com Marília e com os demais ali na mesa, que estavam no mesmo estado de Roberto. Pálidos e boquiabertos.
Porém, o tal "da Cobra" começou a falar:

- Todos duvidam da minha existência. Minha existência é mais duvidosa que a de Deus. Mas estou aqui, em carne e osso, ou melhor, em pele e osso, para provar a todos aqueles que duvidaram da minha amiga Marília. Mas todos vivem falando em mim, que tal pessoa fala mais que eu. Isso chateia gente. Eu não falo para me gabar, para poder pregar pinta de inteligente, mas apenas para que não haja nenhum mal entendido. Gosto de explicar tudo o que falo em seus mais profundos detalhes. E eu não sou o verdadeiro Homem da Cobra. Se vocês acham que eu falo demais, é por que ainda não conversaram com meu pai. Ele fala demais para o tamanho dele, já que tem apenas um metro e meio. E quando ele chega e ...

Roberto explodiu:

- Mas que "Porra" cara ! Pelo amor de Deus, cala essa sua maldita boca. Ninguém quer te ouvir falar. Aliás, só de ouvirem falar da tua existência, as pessoas passam mal. Não está vendo que está todo mundo aqui na mesa com uma cor pálida por sua causa. Olha a Marina iniciando uma convulsão ali. O Paulo está tendo espasmos. Marília, chama uma ambulância enquanto este cara vai ouvir poucas e boas. Presta atenção no que eu vou te falar, seu tal Homem da Cobra. Você já causou muitos problemas por aqui. Acho melhor você sumir da minha frente antes que eu lhe quebre esses ossinhos finos.

O Magricela careca foi andando na direção da rua, com o olhar baixo, enquanto Roberto afrouxava o nó da gravata. Virou-se repentinamente e falou :

- Vou embora mesmo. Não suporto mais. Você fala mais que o Homem da cobra.

Daquele dia em diante, Marília nunca mais foi vista pelos amigos.









hsuahsuashuahsua... totally off topic, mas qual era o topic mesmo????

2 comentários:

Anônimo disse...

De ajuda não sou eu quem preciso! e sim minha vítima!

Anônimo disse...

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.


Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.


Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;


Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!